Para conferir coerência, unidade e a promoção da plena efetividade processual e das garantias sociais e fundamentais, os juristas têm a incumbência de auxiliar na criação e alteração das normas – resultados lógicos das necessidades sociais em constante transição.
Nesse sentido, o direito processual é ferramenta essencial à atualização do direito material, que por meio dos precedentes judiciais, dão nova leitura à letra da lei e permitem ajustar eventuais dissonâncias da norma com as garantias constitucionais, sejam elas de matriz social, econômica, política ou tributária.
Após a CF/88, o sistema constitucional enalteceu o conceito de garantia fundamental, de modo que as premissas constitucionais passaram a ser verdadeiro instrumento de proteção de garantias individuais e coletivas, impondo a subordinação do sistema legal à Constituição. Nesse sentido, a norma positivada deve dar eficácia prática aos remédios constitucionais.
Para dar serventia aos princípios da efetividade, da isonomia e da segurança jurídica, tem-se o recém instituído sistema de precedentes vinculativos, que ligado à ideia de concretização das decisões judiciais, positivada no CPC/2015, deu status vinculativo aos casos repetitivos, obrigando o Estado a reproduzi-los, sem a necessidade de judicialização de demanda sobre o tema afetado pelo precedente repetitivo.[1]
Nesse ponto, é indispensável a análise da evolução dos precedentes vinculantes à luz das alterações trazidas pela 12.844/2013, visto que, referida norma legal deu materialidade prática aos princípios constitucionais da efetividade processual, da isonomia e da segurança jurídica.
A supramencionada alteração, a qual se deu antes da entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, definiu os alcances dos julgamentos realizados nos termos dos artigos 543-B e 543-C do diploma processual até então vigente, com fulcro principal na uniformização o entendimento do STF e do STJ, de modo a conferir maior segurança jurídica aos julgados.
Nesse diapasão, com a vigência do CPC/2015, que dispõe de mecanismos de valorização dos precedentes judiciais com o mesmo objetivo de estabilização, porém com força vinculante, os incisos IV e V, do artigo 19 da Lei nº 10.522/02[2], devem ser lidos como sendo os recursos especial e extraordinário repetitivos, previstos nos artigos 1.036 e seguintes da Lei Processual Civil em vigor.
Assim, o artigo 19 da Lei nº 10.522/02, determina que a PGFN não apresente contestação ou interponha recursos sobre matérias julgadas via recurso repetitivo (especial ou extraordinário) ou, então, sobre matérias que sejam objeto de ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, aprovado pelo Ministro de Estado da Fazenda, em virtude de jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores.
Nesse ponto, é de suma importância ressaltar que a exigência de ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional para não contestar ou recorrer, não se aplica às matérias objeto de julgamento via recurso especial ou extraordinário repetitivos (incisos IV e V do artigo 19 da Lei nº 10.522/02), vez que a ressalva feita pelo legislador diz respeito, única e exclusivamente, às matérias em que a jurisprudência dos Tribunais Superiores se mostre pacificada (inciso II do artigo 19 da Lei nº 10.522/02).
Dessa forma, após a publicação do acórdão julgado via recurso especial ou extraordinário repetitivos, a PGFN deve, automaticamente, ou seja, independentemente de ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, deixar de apresentar contestação ou interpor recurso sobre a matéria objeto do julgamento, sem que o Procurador Fazendário incorra em infração funcional.
Desta feita, conforme se demonstrou através da análise das inovações trazidas pela Lei n. 12.844/13, após a publicação do acórdão paradigma (proferido em julgamento de recurso repetitivo), o PGFN não pode apresentar contestação, tampouco recorrer das sentenças prolatadas nas ações judiciais em andamento que tratem da mesma questão de fato e de direito, visto que ocorrerá a antecipação do certificado do trânsito em julgado já realizado no caso paradigma, nas demandas individuais.
De tal modo, verifica-se que a força vinculante do precedente, torna tanto o Poder Judiciário, como a Administração Pública, obrigados ao seu cumprimento, de maneira que, uma vez sedimentado, a Administração Pública deverá modificar a sua forma de aplicação da legislação afetada pelo precedente vinculativo, não sendo mais necessário o administrado buscar o Poder Judiciário para sua aplicação.
Assim sendo, evidente que o CPC/2015 alterou substancialmente o sistema brasileiro de precedentes, vez que regulou seu regime, e além de manter os precedentes persuasivos, fortaleceu os precedentes vinculativos, prevendo expressamente o efeito vinculante dos precedentes, trazendo para o ordenamento nacional uma grande aproximação com o Stare Decisis, elemento tradicionalmente de Common Law.
Isso porque, ao positivar o sistema de precedentes judiciais, o legislador teve como objetivo assegurar a estabilização com força vinculante, submetendo tanto o Poder Judiciário quanto a Administração Pública ao seu cumprimento.
Logo, tendo em vista que a partir da vigência do CPC/2015 o precedente vinculante passou a ter status de norma legal, com aplicação imediata e imposição cogente, caso haja publicação de acórdão de recurso repetitivo especial ou extraordinário desfavorável a Fazenda Pública, mostra-se possível à recuperação administrativa, através da compensação imediata dos indébitos tributários decorrentes da mesma questão fático-jurídica.
Paula Ribczuk – OAB/PR 82.779
Advogada Cofundadora da Ribczuk Advogados
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) – 2015;
Estudante de Mobilidade Acadêmica pela Universitá Degli Studi di Torino (Unito) – 2013;
Pós-Graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) – 2019;
Pós-Graduanda em
Contabilidade Financeira e Tributária pela Universidade Estadual de Londrina –
UEL.
[1] Consoante doutrina clássica, os atos jurídicos em geral, inclusive as normas jurídicas, comportam análise em três planos distintos: os da sua existência, validade e eficácia. No período imediatamente anterior e ao longo da vigência da Constituição de 1988, consolidou-se um quarto plano fundamental de apreciação de normas constitucionais: o da sua efetividade. Efetividade significa a realização do Direito, a atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados. Simboliza, portanto, a aproximação, tão intíma quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. O intérpete constitucional deve ter o compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpretação alternativa e plausível, deverá prestigiar aquele que permita a atuação da vontade constitucional, evitando no limite do possível, solução que se refugiem no argumento da não autoaplicabilidade da norma ou na ocorrência de omissão do legislador. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo – Os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. 7ed. São Paulo: Saraiva. 2018. p. 346.
[2] Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional autorizada a não contestar, a não interpor recurso ou a desistir do que tenha sido interposto, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese de a decisão versar sobre:
(…)
IV – matérias decididas de modo desfavorável à Fazenda Nacional pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de julgamento realizado nos termos do art. 543-B da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil;
V – matérias decididas de modo desfavorável à Fazenda Nacional pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento realizado nos termos dos art. 543-C da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, com exceção daquelas que ainda possam ser objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal.
§ 1o Nas matérias de que trata este artigo, o Procurador da Fazenda Nacional que atuar no feito deverá, expressamente:
I – reconhecer a procedência do pedido, quando citado para apresentar resposta, inclusive em embargos à execução fiscal e exceções de pré executividade, hipóteses em que não haverá condenação em honorários; ou
II – manifestar o seu desinteresse em recorrer, quando intimado da decisão judicial.
§ 2o A sentença, ocorrendo a hipótese do § 1o , não se subordinará ao duplo grau de jurisdição obrigatório.
§ 3o Encontrando-se o processo no Tribunal, poderá o relator da remessa negar-lhe seguimento, desde que, intimado o Procurador da Fazenda Nacional, haja manifestação de desinteresse.
§ 4o A Secretaria da Receita Federal do Brasil não constituirá os créditos tributários relativos às matérias de que tratam os incisos II, IV e V do caput, após manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nos casos dos incisos IV e V do caput.
§ 5o As unidades da Secretaria da Receita Federal do Brasil deverão reproduzir, em suas decisões sobre as matérias a que se refere o caput, o entendimento adotado nas decisões definitivas de mérito, que versem sobre essas matérias, após manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nos casos dos incisos IV e V do caput.
§ 6o – (VETADO).
§ 7o Na hipótese de créditos tributários já constituídos, a autoridade lançadora deverá rever de ofício o lançamento, para efeito de alterar total ou parcialmente o crédito tributário, conforme o caso, após manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nos casos dos incisos IV e V do caput.
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