Por Fernando Brasil de Oliveira Pinto

No texto de hoje, abordaremos o entendimento do Carf sobre os limites, inclusive temporais, dos ajustes realizados pela Receita em pedidos envolvendo o reconhecimento de créditos, tanto em pedidos de restituição quanto de ressarcimento, cumulados ou não com declarações de compensação.

Antes disso, há necessidade de se esclarecer como se dá a formação de alguns desses direitos creditórios.

Evidentemente, há pedidos de restituição que se referem a meros pagamentos indevidos de determinado tributo, como, por exemplo, o recolhimento de um tributo em que a pessoa jurídica sequer é contribuinte. Há ainda indébitos que decorrem de erro no preenchimento do valor inserido do Darf, ou mesmo na determinação do tributo devido e recolhido. Nesses casos, a análise do reconhecimento do direito creditório é direta e, em geral, não há maiores controvérsias de direito envolvidas.

Contudo, tratando-se de pedidos do denominado “saldo negativo de IRPJ” ou “saldo negativo de CSLL”, a formação do crédito pleiteado é um pouco mais complexa: um contribuinte, tributado com base no lucro real anual, por exemplo, antecipa o pagamento do imposto devido no ajuste anual por meio do recolhimento de estimativas mensais que, somadas aos valores de IRPJ e CSLL retidos na fonte, podem superar o saldo de IRPJ ou CSLL devidos ao final do ano-calendário, redundando em saldo negativo que poderá ser pleiteado na forma de restituição e/ou declaração de compensação.

De igual forma, contribuintes sujeitos à apuração das contribuições para o PIS e para a Cofins na sistemática não cumulativa e que, por exemplo, sejam preponderantemente exportadores poderão acumular, ao final de cada trimestre, saldos credores dessas contribuições, que poderão ser requeridos à Receita Federal por meio de pedidos de ressarcimento e, posteriormente, declarações de compensação.

Pois bem, nos casos de pedidos de restituição, a teor do que dispõe o artigo 168, inciso I, do CTN[1], o prazo para formalização desses pleitos é de cinco anos, contados a partir da data do pagamento indevido ou maior do que o devido.

Já os pedidos de ressarcimento estão sujeitos ao prazo prescricional previsto no artigo 1º do Decreto 20.910/1932[2][3], qual seja, cinco anos a partir da data em que forem apurados.

Atrelados aos pedidos de restituição ou de ressarcimento, o contribuinte poderá transmitir declarações de compensação que, além de se constituírem em instrumento de confissão de dívida, extinguem o crédito tributário, sob condição resolutória da ulterior homologação do procedimento[4].

O prazo para homologação da compensação declarada pelo contribuinte é de cinco anos, contado da data da entrega da declaração de compensação[5], sendo que, a inércia do Fisco em decidir sobre o tema, nesse prazo, implicará sua homologação tácita.

Desse modo, por exemplo, caso o contribuinte pleiteie saldo negativo de IRPJ referente ao ano-calendário de 2011, terá que fazê-lo em até cinco anos, sendo que, se transmitida declaração de compensação, o Fisco terá mais cinco anos, contados da data entrega dessa declaração, para decidir sobre o mérito da compensação, homologando-a ou não.

As discussões sobre o tema envolvem também o disposto no parágrafo 4º do artigo 9º do Decreto 70.235/72, no qual se determina que a exigência de crédito tributário será formalizada em autos de infração ou notificações de lançamento (caput), procedimento aplicável também nas hipóteses em que, constatada infração à legislação tributária, dela não resulte exigência de crédito tributário (parágrafo 4º).

A maior controvérsia sobre a matéria envolve justamente a necessidade de lançamento, e a consequente observação dos prazos decadenciais previstos no CTN (parágrafo 4º do artigo 150 e artigo 173), nos casos em que a autoridade fiscal efetua ajustes nas bases de cálculo dos tributos em relação aos quais se pleiteia reconhecimento de crédito, sem que isso redunde na exigência de tributo[6].

A Receita Federal já se pronunciou sobre o tema por meio da Solução de Consulta Interna Cosit 16, de 2012, concluindo que, após transcorrido o prazo decadencial, nos termos do artigo 150, parágrafo 4°, do CTN, assim como o prazo para homologação de compensação de que trata o artigo 74, parágrafo 5°, da Lei 9.430, de 1996 (homologação tácita), há apenas a impossibilidade de lançamento de diferenças do imposto devido. Conclui ainda não haver previsão legal para homologação tácita dos saldos negativos pleiteados, devendo ser regularmente comprovados pelo sujeito passivo, quando objeto de declaração de compensação, e ser mantida à disposição do Fisco a documentação pertinente até que encerrados os processos que tratam da utilização daquele crédito.

Esclarecidas as questões teóricas, passamos a analisar a jurisprudência sobre a matéria.

No Acórdão 1402-001.850 (sessão de 22 de outubro de 2014), concluiu-se que no caso de alteração de base de cálculo, ou de tributo devido, o Fisco deve se valer de lançamento, sujeito ao prazo decadencial. Por outro lado, se a questão disser respeito a divergências entre valores de tributos extintos por recolhimentos anteriores ou retenções na fonte — e que venham a formar o indébito pleiteado —, o Fisco pode retroagir tanto quanto for necessário, desde que o faça no prazo de cinco anos contados da transmissão da declaração de compensação[7].

Com entendimento semelhante, no Acórdão 1401-003.324 (sessão de 16 de abril de 2019) faz-se uma diferenciação dos institutos da decadência e da homologação tácita, concluindo-se que não há que se falar em decadência para análise da liquidez do crédito pleiteado, podendo ser exigidos os comprovantes de retenção de imposto na fonte desde que ainda não tenha ocorrido a homologação tácita, ou seja, no prazo de cinco anos a partir da transmissão da declaração de compensação, ainda que transcorrido prazo superior a esse em relação à data de transmissão da DIPJ. Argumentou-se ainda que não se aplicaria ao caso os institutos da decadência, pois não houve alteração da base de cálculo declarada pelo contribuinte.

Já no Acórdão 3201-002.449 (sessão de 24 de janeiro de 2017), o entendimento firmado foi o de que não há necessidade de lançamento na análise de pedidos de ressarcimento, podendo qualquer exame ser realizado desde que não ocorrida a homologação tácita das compensações declaradas.

Corroborando essa interpretação, a 3ª Turma da CSRF concluiu que na apuração de pedido de restituição, ressarcimento ou declarações de compensação é dever da autoridade administrativa verificar o cumprimento das obrigações tributárias mediante análise da escrituração fiscal e contábil do contribuinte para apurar a liquidez e a certeza do saldo pleiteado, não havendo necessidade de se lançar de ofício os créditos aproveitados indevidamente, assim como não haveria que se falar em decadência do direito de a Fazenda Nacional deduzir tais créditos (Acórdão 9303-005.788, sessão de 21 de setembro de 2017).

Nesse mesmo sentido, e por unanimidade de votos, em sessão em 19 de março de 2019, essa mesma turma julgadora confirmou tal entendimento, asseverando que a compensação e a restituição submetem-se a regramento próprio, dado pelo artigo 74 da Lei 9.430/96, sendo inaplicáveis, nesses exames, os prazos decadenciais previstos no artigo 150, parágrafo 4º, e no artigo 173, ambos do CTN (Acórdão 9303-008.224).

Alinhando-se a essa interpretação, a 1ª Turma da CSRF, por voto de qualidade, concluiu que, em se tratando de declaração de compensação cujo crédito tem origem em saldos negativos de anos anteriores, há que se proceder com análise da apuração de cada um dos anos-calendário pretéritos, que serviram para a composição do saldo negativo utilizado como direito creditório. E, nesses casos, não se aplicaria a contagem de prazo decadencial, uma vez que o exame se restringiria à verificação da liquidez e certeza do crédito tributário, pois somente se a glosa realizada viesse a redundar em tributo a pagar é que deveria ser realizado lançamento (Acórdão 9101-003.994, sessão de 18 de janeiro de 2019).

Conforme se observa, a 1ª e 3ª turmas da CSRF vêm decidindo não ser necessário lançamento nos casos de redução de direitos creditórios pleiteados pelos contribuintes desde que, em razão de glosas realizadas pela autoridade fiscal, não haja reversão do direito creditório pleiteado em tributo a pagar, não se aplicando nesses casos, portanto, os prazos decadenciais previstos no CTN, mas, sim, o lapso temporal de cinco anos para homologação tácita das compensações declaradas, a teor do que dispõe o parágrafo 5º do artigo 74 da Lei 9.430/96.

Nesse cenário, tendo em vista a convergência de entendimento entre essas turmas da CSRF, é possível que seja apreciada a edição de súmula pelo Pleno do CSRF, conforme previsto no artigo 72 do Anexo II do Regimento Interno do Carf, embora seja prudente se aguardar outras decisões da 1ª Turma da CSRF, e não porque o último precedente citado foi decidido por voto de qualidade, mas, sim, em razão de esse colegiado possuir um assento vago na representação da Fazenda Nacional, e, a depender do entendimento desse novo membro, o entendimento nessa turma pode vir a ser alterado.

*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido por seus colunistas.

Fonte: Consultor Jurídico – conjur.com.br


[1] Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; […]

Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I – nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário; […].

[2] Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

[3] Nesse sentido, ver Solução de Divergência Cosit 21/2011 e Acórdão 9303-007.734 (sessão de 22/11/2018).

[4] Nos termos dos parágrafos 2º e 6º do artigo 74 da Lei 9.430/96.

[5] Conforme determina o parágrafo 5º do artigo 74 da Lei 9.430/96.

[6] Nesses casos, a Receita Federal normalmente reduz o montante de crédito a ser reconhecido em favor do contribuinte por meio de uma glosa de despesa ou inclusão de receita não oferecida à tributação, nos casos de IRPJ ou CSLL, ou de glosas de créditos nos casos de ressarcimento ou restituição de PIS e de Cofins.

[7] No voto vencedor, faz-se ainda a diferenciação entre tributo devido e tributo a recolher ou a restituir, concluindo-se que somente a alteração no valor do tributo devido (base de cálculo multiplicada pela alíquota) deve ser realizada por lançamento, procedimento sujeito, portanto, a prazos decadenciais.