Na esfera econômica, a participação nos lucros e resultados (PLR) manifesta-se como instrumento de integração entre os fatores econômicos de produção: capital e trabalho, ao passo que incentiva o aumento da produtividade e dissemina o espírito de equipe e de cooperação.

Nesse sentido, dispõe o art. 7º, inciso XI, da Constituição Federal, ao determinar que é direito dos trabalhadores a PLR, desvinculada da remuneração.

Sob a ótica da contribuição previdenciária, a PLR foi excluída da relação de verbas sujeitas à sua incidência, quando paga ou creditada de acordo com lei específica, nos termos da alínea “j” do § 9º do artigo 28 da Lei n.º 8.212/91.

Por conseguinte, sendo a PLR dos trabalhadores regulada pela Lei n. 10.101/00, resta excluída a incidência da contribuição previdenciária.

Ocorre que tal dispositivo normativo se refere de maneira expressa tão somente acerca da PLR de empregados, de forma que surgem dúvidas quanto a incidência ou não de contribuição previdenciária sobre PLR paga aos diretores estatutários.

Por essa razão, tem-se suscitado a incoerência do lançamento, visto que a não incidência de contribuição previdenciária sobre o pagamento em questão decorre de interpretação da Constituição Federal (art. 7, XI), Lei n. 8.212/91, Lei n. 10.101/00 e da Lei n. 6.404/76.

Isso porque, o fato de um diretor ter sido eleito em assembleia e se sujeitar às disposições da Lei n. 6.404/76, ao invés da Lei n. 10.101/00, não descaracteriza a verba para fins de não incidência de contribuição previdenciária, inclusive por  disposição constitucional.

Nesse sentido, ressalva-se o entendimento adotado pelo CARF em alguns julgados, embasado no argumento de que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o Recurso Extraordinário n. 569.441, com repercussão geral reconhecida (tema n. 334), estabeleceu a tese de que “incide contribuição previdenciária sobre as parcelas pagas a título de participação nos lucros no período que antecede a entrada em vigor da Medida Provisória 794/1994, que regulamentou o art. 7º, XI, da Constituição Federal de 1988”.

            Por corolário, defendem que a lei específica que deu eficácia ao artigo 7º, inciso XI, da Constituição Federal, seria a Lei n. 10.101/00, a qual elegeu seus beneficiários em seu artigo 2º, determinando, ainda, a celebração dos planos via negociação entre dois polos distintos (empresa e empregados). Assim, compreendem que o diretor estatutário representaria a empresa, não podendo, por tal razão, tomar parte na qualidade de empregado para fins de receber PLR na forma da Lei nº 10.101/00.

Há, contudo, uma importante diferenciação existente entre os diretores estatutários, a qual reflete consideravelmente nas decisões do CARF: existem os diretores estatutários sem vínculo empregatício, eleitos em assembleia, entretanto há, também, àqueles que são empregados da empresa, porém são elevados à condição de diretores estatutários, igualmente eleitos em assembleia.

À esse respeito, sobreveio a COSIT 16, de 14 de março de 2018, onde restou definido que o diretor estatutário, que mantenha as características inerentes à relação de emprego, é segurado obrigatório da previdência social na qualidade de empregado, e a sua participação nos lucros e resultados da empresa de que trata a Lei nº 10.101, de 2000, não integra o salário-de-contribuição, para fins de recolhimento das contribuições previdenciárias.

Por outro lado, quanto a exigência de contribuição previdenciária sobre a PLR paga aos diretores sem vínculo empregatício, prevalece o entendimento de que a PLR paga aos diretores não empregados, na forma do artigo 158 da Lei n. 6.404/76, estaria sujeita à contribuição previdenciária, uma vez que inexiste norma específica que lhes conceda isenção. Foi considerado que a Lei n. 10.101/00 regulamenta o pagamento de PLR a trabalhadores vinculados a empresas na condição de empregados e não serve como base para isentar de contribuições previdenciárias valores pagos a esse título quando destinados a outras espécies de segurados da Previdência Social.

Todavia, em que pese referido entendimento, insta salientar que o sistema tributário brasileiro possui sua base normativa para toda e qualquer imposição fiscal na CF/88. Assim, a apreciação da natureza e alcance dos tributos fixados em lei está submetida, em maior ou menor grau, a competência tributária estabelecida na Constituição, a qual, de forma peremptória, delimita a prerrogativa estatal em fixar tributos, incluindo as contribuições previdenciárias.

Em relação ao PRL, a dúvida paira sobre o alcance possível do art. 195, I, a, da Constituição de 1988, o qual, em sua atual redação, estabelece o seguinte:

“Art. 195 – A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; ”

Verifica-se que a redação atual do mencionado dispositivo é resultado da reforma constitucional ocasionada pela EC nº 20/98, vez que a redação anterior a referida emenda, apenas previa a incidência da contribuição de empregadores sobre a folha de salários.

A mudança do texto trazida pela EC nº 20/98, teve como principal objetivo garantir a tributação das empresas que remunerassem trabalhadores, independente da existência de vínculo empregatício, de tal modo, ampliou a base de incidência e determinou que se desse sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.

Entretanto, ainda que a nova previsão constitucional tenha indubitavelmente alargado a tributação previdenciária patronal, tal não é suficiente a garantir à possibilidade de tributar valores não relacionados diretamente ao trabalho. Isso porque, conforme já relatado, a intenção do constituinte foi incluir as remunerações de avulsos, empresários e autônomos na base de cálculo previdenciário e não tributar todo e qualquer valor pago a trabalhadores.

Os conceitos de rendimentos do trabalho e capital, não se confundem, sendo consensual desde Adam Smith que o salário decorre do trabalho, ao passo que o lucro advém do rendimento do capital investido pelo empresário, de modo que, referida premissa, mesmo na atualidade, se mantém intacta.

Além disso, a própria legislação brasileira prevê referida distinção, através do art. 43 do Código Tributário Nacional. Senão vejamos:

“Art. 43 – O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

§ 1º – A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.”

Depreende-se do supracitado dispositivo legal, que renda tributável, para fins do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, é aquela decorrente do produto do capital e/ou trabalho. Ou seja, se há incremento patrimonial – e este é o aspecto nuclear do imposto sobre a renda – proveniente de lucros da atividade econômica pelo empresário ou, cumulativamente, das retribuições pecuniárias pelos seus serviços, há, em qualquer hipótese, renda tributável.

Verifica-se que a base de incidência do imposto de renda é mais ampla que os rendimentos do trabalho, pois inclui proventos de capital e trabalho e ambos configuram renda. A redação legal é clara e não deixa qualquer dúvida sobre a separação necessária entre os conceitos. Da mesma forma, não restam dúvidas que a Constituição de 1988, mesmo após a EC nº 20/98, optou por tributar, para fins previdenciários, somente os rendimentos do trabalho.

Através da análise supra, constata-se que há uma distinção relevante, reconhecida ontológica e normativamente, entre rendimentos do trabalho e do capital, sendo que tal distinção, ainda que irrelevante para o imposto de renda, – tendo em vista seu foco na majoração do patrimônio do contribuinte (renda líquida) -, é fundamental para a contribuição previdenciária patronal, restrita, por mandamento constitucional expresso, única e exclusivamente a rendimentos do trabalho. Não observar tal previsão traz como consequência o grave equívoco da tributação previdenciária sobre lucros e resultados a administradores não empregados.

Ao contrário do imposto sobre a renda, a incidência previdenciária é circunscrita apenas aos rendimentos do trabalho. A disposição é clara e conclusiva, e ainda que permita a inclusão de trabalhadores sem vínculo empregatício, somente valores decorrentes do trabalho podem sofrer a respectiva tributação. Como não poderia ser diferente, caminha no mesmo sentido a regulamentação infraconstitucional da matéria, em estrita observância do mandamento constitucional.

Logo, não obstante a interpretação administrativa divergente, entendemos que a cobrança da cota patronal previdenciária sobre os valores pagos a diretores não empregados não encontra suporte tanto na Constituição como na legislação vigente, externando incongruências irreconciliáveis com a própria regulamentação administrativa da matéria, podendo e devendo ser questionada pelo contribuinte.

Isso porque, como reconhece a própria regulamentação administrativa, se um contribuinte individual, sócio administrador de sociedade limitada, pode receber valores derivados do capital – lucro – sem a consequente tributação e independentemente da eventual submissão aos ditames da Lei nº 10.101/00, o mesmo valerá para qualquer contribuinte individual, o que inclui diretores não empregados de sociedades anônimas, especialmente quando observados os parâmetros de razoabilidade do plano, que consistem na clareza e objetividade do direito substantivo e das regras adjetivas.

A equipe da Ribczuk Advogados e da R&B Soluções Contábeis e Tributárias se colocam inteiramente à disposição para eventuais dúvidas e esclarecimentos.

Paula Ribczuk – OAB/PR 82.779

Advogada Cofundadora da Ribczuk Advogados

Graduada em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) – 2015;

Estudante de Mobilidade Acadêmica pela Universitá Degli Studi di Torino (Unito) – 2013;

Pós-Graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) – 2019;

Pós-Graduanda em Contabilidade Financeira e Tributária pela Universidade Estadual de Londrina – UEL.

Beatriz Ribczuk

Estagiária de Direito da Ribczuk Advogados

Graduanda do 4º. Ano de Direito da Universidade Estadual de Maringá (UEM); e,

Estudante de Mobilidade Acadêmica pela Universidade do Porto – 2019;

Fontes:

BRASIL. Constituição (1988). Emenda constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 03 de dez. 2019;

RECEITA FEDERAL BRASILEIRA. Solução de Consulta Cosit nº 16/2018. Soluções consultivas de normas da Receita Federal Brasileira. Brasília. 2018. Disponível em: <http http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=90948 >. Acesso em: 03 dez. 2019;

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. Conselho afasta tributação sobre PLR de diretores estatutários. Disponível em: <https://cnf.org.br/conselho-afasta-tributacao-sobre-plr-de-diretores-estatutarios/>. Acesso em: 03 dez. 2019;

CONSUTÓRIO JURÍDICO – CONJUR. Carf analisa a tributação da PRL dos diretores. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2019-ago-21/carf-analisa-tributacao-plr-diretores#_ftn2>. Acesso em: 03 dez. 2019;

MIGALHAS. Receita Federal analisa a incidência das contribuições previdenciárias sobre prêmios após a reforma trabalhista. Disponível em: < https://m.migalhas.com.br/depeso/303878/receita-federal-analisa-a-incidencia-das-contribuicoes>. Acesso em: 03 dez. 2019; e,

]LEX MAGISTER. Pagamentos de lucros e resultados a diretores e administradores não empregados. a questão da contribuição previdenciária. Disponível em: < http://www.lex.com.br/doutrina_27693319_PAGAMENTOS_DE_LUCROS_E_RESULTADOS_A_DIRETORES_E_ADMINISTRADORES_NAO_EMPREGADOS_A_QUESTAO_DA_CONTRIBUICAO_PREVIDENCIARIA.aspx>. Acesso em: 03 de dez. 2019.